
Não ia te dizer
Nascentes
Da leitura do inacabado Passa-Ouro, e para surpresa e choque de Helena, a Epifania que ela e Lázaro estavam vivendo já existira com uma garota das Terras Altas. Não era mera e oportunista aventurazinha, com um marmanjo a se esbaldar com uma atrevida e promíscua jovenzinha.
Lázaro vira em Juliana uma jovem singular, a quem deveria dedicar o seu cuidado e reverência. E Juliana entrara na vida de Lázaro antes dela própria.
E se o amor havia que brotar como Epifania, como aparição do Sagrado, como reverência e cuidado para com o Mistério do Ser, Helena tinha que respeitar essa mesma exigência de transcendência em relação a Lázaro e Juliana. Não podia valer somente para ela.
O relacionamento entre ela e Lázaro, e entre ele e Juliana, teria que se dar, então, num nível diferente do habitual. Por isso é que ela buscara as palavras de González, a situação não era simples. Ela não podia simplesmente exigir uma decisão clara e imediata de Lázaro.
Então, teria que respeitar, reverenciar e, se fosse o caso, viver a dor, caso Lázaro se decidisse por Juliana; ou caso ela, Helena, não soubesse conviver com aquela condição. Que assim fosse. Na conversa, González sugere-lhe como agir de forma paciente e inteligente frente ao problema, e aguardar a livre decisão de Lázaro.
*
Mas, antes dessa conversa com o espanhol e do reencontro e desfecho com Lázaro, vai em busca de suas nascentes, de seu Próprio, lembrando-se de uma conversa com o próprio González, antes do apareimento de Juliana. Na verdade, atendendo também a um delirante e mágico apelo do Rio Piranga, que corta a cidade. Em seu lacrimejante desamparo e desespero, ela quase se atira em suas águas, flertando com o suicídio, tamanha a sua perplexidade. É quando o rio lhe conduz e lhe ensina que também ele é sempre retorno às suas próprias nascentes.
E é o que Helena então faz. Uma temporada de cura, de redenção e de amadurecimento em meio a sua terra e suas gentes, principalmente em companhia de seus primos Ilídio e jovem Marcelina, que é também sua afilhada, e com quem aprende o suficiente, apesar de a prima ser bem mais jovem.
Pois Marcelina estava na situação inversa, ao disputar, com Priscila, exatamente a irmã mais velha de Juliana, o convívio amoroso e erótico com U., o mítico personagem de Dala. Lembrando que o Lázaro já tivera suas vivências com a doce e tristonha Priscila. Marcelina, como um espelho de Juliana, ensina a Helena a aceitação, a coragem e a generosidade.
E Helena completa seu retorno às suas nascentes, inclusive refazendo o percurso da estória da quase morte de Marcelina, cerca de quinze anos antes, que exatamente o seu Lázaro resgata e narra em Mané e Andreas, numa linguagem poética, inventiva e transcendente; e que Helena vê como uma verdadeira reverência à sua gente, à sua terra, às suas nascentes.
Depois de tudo isso, Helena está, sim, pronta, lúcida, amadurecida o suficiente para prosseguir em suas próprias epifanias, com ou sem Lázaro, com ou sem Juliana em suas vidas.
Sabe que, de uma forma ou de outra, as epifanias vividas com Lázaro permanecerão para sempre, coração no coração, como ele diz a Juliana, no seu Passa-Ouro. Mesmo porque continuarão fazer parte do MPO e virão até mesmo a redigir uma apresentação sobre o Movimento - Parar o Ocidente, a Revolução como poema e combate.
Mas, à parte essa convivência revolucionária, o que irradiará de Lázaro para Helena no terreno afetivo-erótico: continuarão a navegar nas suas próprias águas e epifanias, ou ela, mais uma vez, terá que, dolorosa mas corajosamente, buscar outras nascentes e epifanias?